Investigação de Surto Alimentar, Paulista/Pernambuco, 2001
OLIVEIRA, Wanderson K. et al. Investigação de surto alimentar, Paulista/Pernambuco, 2001. Boletim Epidemiológico, ano 02, n. 01, 10 de abril de 2002. Disponível em: https://github.com/wandersonepidemiologista/boletimepidemiologico/tree/main. Acesso em: 01 out. 2024.
No dia 10 de outubro de 2001, o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) foi notificado, por telefone, sobre um surto alimentar ocorrido após um almoço com aproximadamente 600 participantes, em sua maioria crianças, no município de Paulista/PE. A pedido da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, técnicos do CENEPI foram enviados para auxiliar na investigação epidemiológica.
Diante desse cenário, iniciou-se a investigação epidemiológica do surto de gastroenterite em Paulista, com os seguintes objetivos: caracterizar a entidade clínica, identificar a etiologia e determinar os fatores de risco para a doença, a fim de propor medidas preventivas e educativas.
A responsabilidade pela investigação dos casos ficou com a Secretaria Municipal de Saúde de Recife, pois os envolvidos no surto foram atendidos e residem na cidade. Profissionais de saúde realizaram busca ativa nos hospitais que atenderam os doentes e nas residências dos participantes do almoço que apresentaram gastroenterite no dia 09 de outubro, utilizando o inquérito coletivo do Sistema de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmitidas por Alimentos (SV-VEDTA).
Foram coletados swabs dos doentes e das pessoas que prepararam os alimentos, além de amostras dos ingredientes processados e dos alimentos servidos. Foram entrevistados os manipuladores, a coordenação do evento e os profissionais de saúde, e inspecionou-se o local de preparo dos alimentos em colaboração com a Secretaria Municipal de Saúde de Paulista.
Foram preparadas 1.000 marmitas com alimentos doados na residência de uma salgadeira em Paulista, compostas de arroz branco, frenesi de frango, frango frito, batata palha e tomate. O preparo foi realizado em um local sem espaço adequado, ventilação, iluminação, pisos adequados ou água corrente para higienização. Onze pessoas trabalharam voluntária e informalmente, sem equipamentos de proteção individual (EPI) ou capacitação. Os alimentos foram preparados às 06:00 e armazenados em marmitas de alumínio à temperatura ambiente a partir das 09:00. O transporte das marmitas até o clube de campo começou às 12:00, e o trajeto durou cerca de 25 minutos.
Às 13:00, a distribuição das marmitas começou. Elas estavam acondicionadas em duas Kombis que ficaram expostas ao sol. Três horas após o consumo, várias pessoas apresentaram náusea, vômito, cólica e diarreia e foram encaminhadas ao Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP). Os pacientes receberam medicamentos sintomáticos e hidratação endovenosa no atendimento ambulatorial, e receberam alta no mesmo dia, sem óbitos.
A investigação usou o inquérito coletivo do SV-VEDTA. Devido à falta de endereços dos participantes, optou-se pela busca ativa nas áreas abrangidas pelas equipes de Saúde da Família dos bairros Coelhos I e II, onde residia a maioria dos participantes. Com os resultados da busca ativa, foi realizado um estudo de coorte retrospectivo. O programa EPI-INFO versão 6.04d foi utilizado para tabulação, análise e cálculo das taxas de ataque dos alimentos servidos.
Definiu-se como caso de gastroenterite aguda qualquer pessoa que ingeriu os alimentos preparados e apresentou um ou mais dos seguintes sintomas no dia 09 de outubro: vômito, cólica ou diarreia. A revisão dos prontuários médicos, da lista de participantes e dos dados coletados pelos agentes comunitários de saúde indicou que aproximadamente 650 pessoas participaram do evento, em sua maioria crianças.
A análise epidemiológica abrangeu 259 participantes (39,8%), dos quais 210 (81%) apresentaram gastroenterite aguda, com sintomas. As pessoas que consumiram frenesi de frango e tomate apresentaram maior risco de adoecer.
O período de incubação, desde a ingestão do alimento até o início dos sintomas, teve mediana de 3 horas (intervalo: 01-07 horas).
Receberam atendimento de urgência 226 (53%) pessoas entrevistadas, a maioria no Instituto Materno Infantil de Pernambuco. O aumento no número de atendimentos de urgência sem internação para casos de diarreia está evidenciado no Gráfico.
Participantes menores de 19 anos apresentaram maior risco de adoecer. Os exames laboratoriais detectaram bactérias nas amostras de alimentos e dos manipuladores.
Com base nos resultados, confirmou-se um surto de alimentos contaminados em Paulista. A causa mais provável foi a manipulação sem higienização adequada das mãos, falta de EPI e exposição prolongada dos alimentos sem armazenamento adequado. O ambiente de preparo dos alimentos não estava em conformidade, os responsáveis não eram capacitados e alguns ingredientes doados não tinham data de validade.
O curto período de incubação e os sintomas sugerem a produção de exo-enterotoxina pela bactéria Staphylococcus aureus, comprovada pelos resultados laboratoriais (clínicos e bromatológicos). Testes realizados no Instituto Adolfo Lutz/SP confirmaram a presença de toxinas de Staphylococcus aureus dos tipos A, B e C tanto no frenesi de frango quanto na mistura dos componentes da marmita.
Dentre as limitações da investigação, destacam-se a falta de registro dos participantes do almoço, de registros hospitalares e dificuldades operacionais e logísticas.
Conforme as conclusões, foi recomendado:
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Capacitar a cozinheira e auxiliares sobre os cuidados necessários na seleção, manipulação, conservação e transporte de alimentos;
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Criar manuais de orientação para entidades filantrópicas sobre o recebimento de doações;
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Estabelecer que todas as instituições públicas, privadas ou filantrópicas contratem serviços credenciados para o preparo de alimentos.
Conforme as conclusões, foi recomendado:
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Capacitar a cozinheira e auxiliares sobre os cuidados necessários na seleção, manipulação, conservação e transporte de alimentos;
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Criar manuais de orientação para entidades filantrópicas sobre o recebimento de doações;
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Estabelecer que todas as instituições públicas, privadas ou filantrópicas contratem serviços credenciados para o preparo de alimentos.