Recentemente três artigos publicados na revista Science destacam aspectos fundamentais da situação atual envolvendo a influenza aviária H5N1, uma preocupação crescente para a saúde global devido ao potencial pandêmico desta cepa viral.
A seguir, vamos integrar as informações de cada artigo e discutir o contexto brasileiro frente às emergências de saúde pública, oferecendo sugestões para cada um dos pilares de resposta a emergências: prevenção, preparação, detecção, resposta e recuperação, baseando-se também no "Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos" do Ministério da Saúde.
Neste artigo denominado Por que a pandemia de gripe aviária ainda não começou? o autor discute por que o vírus H5N1 ainda não causou uma pandemia, apesar de sua ampla disseminação entre aves e animais como gado. Alguns cientistas destacam que o vírus já apresenta mutações conhecidas por torná-lo mais adaptado à infecção de células humanas, como a mutação 226L da hemaglutinina, que aumenta a afinidade do vírus por receptores humanos. Entretanto, até o momento, não há evidências claras de transmissão entre humanos. Um dos desafios para o vírus se tornar altamente transmissível entre pessoas parece ser a necessidade de um conjunto específico de mutações que ocorra de forma sequencial e ordenada.
O segundo artigo detalha as alterações necessárias para o H5N1 evoluir de um patógeno aviário para um vírus pandêmico em humanos. Foram identificados três principais degraus evolutivos: (1) a mutação na polimerase (como a E627K) que favorece a adaptação do vírus em células de mamíferos; (2) mudanças na hemaglutinina que permitem maior eficiência na ligação às células humanas; e (3) estabilização da hemaglutinina para transmissão por aerossóis. Essas mudanças, embora não tenham sido totalmente documentadas em combinação, representam um risco considerável, e cientistas alertam para a possibilidade de mutações ocorrerem devido à ampla circulação do vírus.
A gripe aviária matou recentemente focas no Maine, aumentando os temores de que o vírus comece a se espalhar mais facilmente entre os mamíferos.Michael Doolittle / Alamy
O terceiro artigo apresenta uma abordagem mais prática, focando nas respostas possíveis para limitar a disseminação da influenza aviária, especificamente o uso de vacinação em aves. Enquanto a vacinação de aves pode reduzir a transmissão e o risco de evolução para um patógeno adaptado a humanos, a resistência à adoção desta estratégia, devido a preocupações comerciais e regulações comerciais internacionais, impede a ampliação do seu uso em larga escala.
A China vacinou agressivamente as aves contra os perigosos vírus da gripe aviária por quase 2 décadas.STR / AFP / Getty Images
Esta fazenda de Iowa teve que abater 56.000 aves em 2015 por causa da gripe aviária altamente patogênica. O abate de bandos é uma forma padrão de controle do vírus nos Estados Unidos.Scott Morgan/The New York Times/Redux
Aves migratórias como gansos da neve, vistas voando sobre um campo de Maryland, transportam vírus da gripe de um continente para outro.Jim Watson / AFP / Getty Images
Capacidades do Brasil Frente às Emergências de Saúde Pública
O Brasil possui estruturas robustas para resposta a emergências em saúde pública, incluindo a possibilidade de ativar o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE) do Sistema Único de Saúde (SUS). Com base no "Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos", o Brasil deve fortalecer suas capacidades em cinco componentes: prevenção, preparação, detecção, resposta e recuperação.
Prevenção:
Fortalecer a biosegurança em criações avícolas, conforme as diretrizes do Ministério da Agricultura, reduzindo o risco de transmissão entre aves e entre aves e humanos.
Implementar programas de vacinação em áreas de maior risco, utilizando o monitoramento e contenção através do Serviço Veterinário Oficial.
Preparação:
Elaborar e atualizar planos de contingência específicos para influenza aviária, garantindo a integração entre os setores de saúde humana, animal e ambiental (abordagem "One Health").
Realizar treinamentos e simulações regulares para equipes de resposta, conforme recomendado no guia brasileiro.
Detecção:
Ampliar a vigilância epidemiológica ativa de epizootias em aves silvestres, priorizando a detecção precoce de surtos de influenza aviária.
Fortalecer a rede de diagnóstico de influenza com laboratórios centrais de saúde pública (Lacen) e aumentar a capacidade de testagem em unidades sentinelas de síndrome gripal (SG) e síndrome respiratória aguda grave (Srag).
Resposta:
Implementar medidas rápidas de contenção, incluindo abate de aves infectadas e monitoramento de contatos humanos expostos, seguindo o protocolo de isolamento e tratamento antiviral.
Manter comunicação pública clara e objetiva, conforme orientações de comunicação de risco presentes no guia, para fornecer informações à população e reduzir a desinformação.
Recuperação:
Suporte financeiro e técnico para produtores afetados, além de ações coordenadas para restabelecimento sanitário.
Avaliação pós-evento para melhorar as práticas de vigilância e resposta futura.
Ficha de notificação de influenza H5N1
Considerações Finais
Os artigos da Science destacam a necessidade de compreender melhor as mutações do vírus H5N1 e de adotar medidas preventivas e de contenção para evitar uma potencial pandemia. O "Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos" do Brasil fornece uma base sólida para fortalecer a resposta nacional, recomendando uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental. Ações contínuas de prevenção, preparação, detecção, resposta e recuperação são essenciais para mitigar os impactos de possíveis pandemias e garantir que o país esteja bem preparado.
Referências
Kupferschmidt, K. Why hasn’t the bird flu pandemic started? Science. 2024. doi: 10.1126/science.adi1013.
Beer, M. From bad to worse. Science. 2023. doi: 10.1126/science.adi1013.
Cohen, J. Bird shots. Science. 2023. doi: 10.1126/science.adi1012.
Ministério da Saúde. Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos. 2024. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/i/influenza-aviaria
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